3 de março de 2010

Rosa & Chocolate


Era sexta-feira. Um dia triste para aqueles que partilhavam o seu amor. A distância entristecia-os. Fazia-os sentir fracos, sozinhos, desamparados, sem razão. Nem que fosse por dois dias.
No meio daquela multidão de risos ou choros, de bibes e sapatinhos número vinte e dois, eles desconcentravam-se para se concentrarem neles. E nada mais. Nada mais até serem separados. Até aos pais puxarem um para cada lado. Para os arrancarem daquela promessa de partilhas do leite achocolatado pela manhã e da cumplicidade que sentiam ao andar de baloiço pelo fim do dia.
Num fim-de-semana tão longo e penoso, Alice, decide saborear aquela tarde tempestuosa para a brincadeira ao imaginar-se Barbie, e a viver o seu romance com o Ken. Ela não se interessava pelo que diziam. Alice esquecia as capas de livros e os resumos tendenciosos que os outros faziam deles. Alice lia o livro e dava importância ao conteúdo, da forma que ela assim entendesse. Só havia um problema relacionado com a sua personalidade: a sua família não a aceitava como gostaria de ser. E portanto, nunca poderia tolerar que uma inocente e indefesa rapariguinha se relacionasse com alguém de outra cor, muito menos numa relação séria! Discussões…Era somente o que se podia ver no lar da pequena Alice. E tudo porque ele era negro. Sim, só por isso. Já era insuportável viver naquelas condições. E, como forma de protesto em seu pensamento, só havia uma forma de se manifestar…
Era segunda de manhã e não havia sinais de Alice. Os pais desta vez, ao invés de discutirem, uniram-se, pois perceberam que juntos tudo se tornava mais fácil. Apesar de tudo, desta vez nem a união os salvava. A sua filha já não estava naquela casa. Nem ela, nem as suas roupas, nem os seus peluches, nem a sua escova cor-de-rosa com que todas as noites penteava os seus cabelos compridos e dourados. Apenas deixou algo como sinal de despedida e contestação em cima da sua cómoda: a Barbie e o Ken. Mas desta vez, algo os diferenciava daquele habitual casal com que brincava - estavam pintados de preto. Preto como o céu sem lua, negros como um túnel escuro. A tinta negra das suas aguarelas com que fazia os seus bonequinhos infantis era evidente por todo o seu quarto. Paredes, móveis…Mas o negro era predominante naqueles corpos de plástico que imitariam pele. Pele branca, pele comum…Para Alice, pele de pecado, pele de crueldade, pele de impiedade e blasfémia.
Obrigada minha adorável Inês :)
Ana Rosa*

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