28 de março de 2010

Rapariga dos saltos vermelhos


Vinte e duas horas e estava de partida, tal como todas as noites. Retirava do bengaleiro o seu casaco preto comprido para se proteger do frio que envolvia o seu corpo coberto por peças de roupa mínimas e justas. Trancava a porta e partia sem destino. Eu sabia quando isso acontecia. O vizinho do quinto direito sabia quando isso acontecia. Todos sabiam quando isso acontecia. O seu andar era sempre enaltecido e acompanhado pois ela era a rapariga dos saltos altos. Sedutora e maravilhosa. Não a conheci, apenas tive tempo de ver aquele sorriso misterioso e de ouvir a sua voz doce e meiga quando lhe fui pedir açúcar para o meu café da manhã.
Agora caminhava para o seu carro enquanto os seus firmes caracóis, tentadores e cativantes acompanhavam os seus passos ao ritmo das brisas nocturnas. Saia do sofá e largava o portátil só para a contemplar através janela sala. O seu corpo, tão perfeito. Aqueles olhos verdes, pele de tom bronzeado, tão suave e macia, aqueles lábios vermelhos que combinavam com os seus saltos altos. Queria-a, desejava-a tanto.
Não percebo porque se resignou àquela vida. Acabou por se cansar. Cansou-se das vidas de uma noite. Cansou-se de tantos homens atraentes e ocos. Quiçá o esforço para ter tanto prazer, viver tão intensamente e de fingir tantos orgasmos para encher o vazio que percorria as veias do seu corpo e que a atormentava transformou-se nalgo pior; um ciclo vicioso num
poço sem fim. Cansou-se de fazer dela própria um objecto.
Reparei ontem que passavam das dez e ainda não tinha ouvido os seus saltos. Partiu. Partiu “à procura de melhor”. Eu podia, eu queria dar-lhe o que procurava. Estava à sua frente, e ela não me viu. E de pensar o quanto a poderia amar. Acordar a sorrir com o som dos seus saltos que calçaria todas as manhãs. Aqueles saltos a que eu tanto me habituara. Mas agora partiu. Partiu e nunca lhe perguntei o nome.

Era belíssima aquela rapariga dos saltos vermelhos.


Ana Rosa*

24 de março de 2010

Desmorono

A tua presença apagou-se, o teu sorriso desfez-se, caíste em esquecimento
E foste a culpada disso.
O grau que resistência que julgavas ter era insuficiente.
Serenamente
foste perdendo controlo do teu corpo
Violentamente
omitiste o facto de que é ele que te faz respirar, pensar, sentir.
Agradavelmente
viveste o instante infinito.

A necessidade de esqueceres foi mais forte que a de aceitares.
E de me lembrar o quanto querias viver,
O quanto querias deliciar-te dos pequenos sonhos que te tornavam tão única e excepcional…
Viveste tantos anos em cativeiro
E a vontade de saíres da gaiola e voares foi tão forte
Que te esqueceste de que primeiro tinhas de aprender a dominar as tuas asas.
Mas caíste, magoaste-te e magoaste outros também.
Agora gostavas de voltar a acreditar, aceitar, lutar, voar e não consegues.
O desejo controlou-te.
O prazer saciou-te.
O vício consumiu-te.

Mas agora, não consigo parar de perguntar
O que perguntas a ti mesma:
E se pudesses voltar atrás?
Ana Rosa*

22 de março de 2010

Já era altura de encontrar uma boa desculpa para por aqui esta foto divinal.
Ainda não a inventei,
Mas amo-te*

16 de março de 2010

Ensina-me

Ainda bem que me vais ensinar a rir,
Porque assim é tudo mais fácil,
Assim posso parecer alguém
E cair na ilusão do que gostava.

Ainda bem que me vais ensinar a rir,
Porque assim descubro mais,
Assim penso menos
E posso adaptar-me à realidade.

Ainda bem que me vais ensinar a rir,
Porque assim amo a demência,
Assim aprofundo a parvoíce
E consigo sentir-me livre nesta prisão.

Ainda bem que me vais ensinar a rir,
E agora posso fingir,
Assim não sou perseguida pelos meus pesadelos,
Porque assim posso acreditar que sou feliz.

Posso aprender a rir contigo, por favor?

Ana Rosa*

10 de março de 2010

Etiquetas.


E quando damos por nós, lá estamos a comprar mais uns jeans que são sempre precisas”, aquele vestido justo sem costas que “sempre quisemos” e aqueles botins que “ficam tão bem com aquele top”. Se estamos aborrecidos ou se estamos bem-dispostos, se estamos tristes ou se estamos cheios de energia…A verdade é que acabamos sempre em lojas. Acabamos sempre por nos preocupar em escolher o que nos fica melhor, o que está mais na moda, o que é mais original. Somos fúteis, eu sou fútil. Olhamos e achamos que conhecemos uma pessoa. Ou porque não usa roupas da moda, ou porque tem estilo e de certeza que é uma pessoa fantástica. Então e eu? Então e tu? Já pensaste o que dizem de ti quando levas umas All Star que te foram caríssimas mas que não podes usar porque já caíram em desuso? Podemos ser maravilhosos, mas a aparência… Se não tiveres um sorrisinho bonito, se não tiveres um rabinho jeitoso, se não te vestires bem, tu sabes que não podes pertencer aos grupos importantes do colégio. A culpa não é tua. A culpa é desta idiota sociedade que cria e estipula regras nela própria e nos que não as querem. Quando tens três anos, os filhos dos papás ricos dão-se só com os da mesma laia. Quando tens quinze, sabes que há aquele grupo dos “jeitosos” que dominam. Quando tens quarenta, há as mamãs chiques que não conseguem virar o pescoço com tantas plásticas que já fizeram. E como, como será possível mudarmos isto? Como se esta merda que acontece na sociedade é constante? Mais, é hierárquico! Fingimos ser o que não somos para os vizinhos não comentarem, recusamo-nos a viver pelos tabus, temos que ter vidas tão ocultas e fechadas…E porquê? Pergunto-me interminavelmente: porquê?! Limitem-se a viver! Não durmam durante noites e noites, bebam, dancem, gritem, seduzam, simplesmente…aproveitem! Depois desta noite, nenhuma será igual. É intolerável a ideia de te recusares a viver por causa dos outros. Sabes porquê? Porque no final, não é o facto de teres emboracado vodka ou o facto de teres dado uso ao teu charme e sedução que os vais afectar minimamente. Digam o que disserem, continuamos a viver numa sociedade repleta de etiquetas e tabus. Pronto, e já que ninguém faz nada, lá temos nós que lutar contra isto, não é? Vendo bem, apenas precisamos de ser o que somos, dar uso ao nosso sentido conscientíssio para que tu, oh pudica sociedade, possas parar de nos invadir e convencer mais militantes a beijar o teu altar.
Ana Rosa*

5 de março de 2010

Dama da escuridão

Estou tão perto
Perto, perto de quê?
Perto desta multidão que não pensa com o coração?
Pois não, só sabe ver o prazer daquela falsa sedução.
Comem os homens,
São canibais nesta cidade,
Neste deserto onde a noite é morta,
Em que o vazio bate à porta
Daqueles que não a têm.
Lá longe está o pinheiro,
Que noite após noite
Se habitua à sedução do dinheiro,
Ao jogo do amor de plástico,
Que vai e volta, como um elástico.
E no fim, parte a unha, estala o verniz,
Chora a saudade de ser feliz;
Chora a saudade de não se vender;
Chora o medo de perder,
Perder aqueles que a amam de verdade.
Inês de Gonçalves,
Sabes queo adoro .)

3 de março de 2010

Rosa & Chocolate


Era sexta-feira. Um dia triste para aqueles que partilhavam o seu amor. A distância entristecia-os. Fazia-os sentir fracos, sozinhos, desamparados, sem razão. Nem que fosse por dois dias.
No meio daquela multidão de risos ou choros, de bibes e sapatinhos número vinte e dois, eles desconcentravam-se para se concentrarem neles. E nada mais. Nada mais até serem separados. Até aos pais puxarem um para cada lado. Para os arrancarem daquela promessa de partilhas do leite achocolatado pela manhã e da cumplicidade que sentiam ao andar de baloiço pelo fim do dia.
Num fim-de-semana tão longo e penoso, Alice, decide saborear aquela tarde tempestuosa para a brincadeira ao imaginar-se Barbie, e a viver o seu romance com o Ken. Ela não se interessava pelo que diziam. Alice esquecia as capas de livros e os resumos tendenciosos que os outros faziam deles. Alice lia o livro e dava importância ao conteúdo, da forma que ela assim entendesse. Só havia um problema relacionado com a sua personalidade: a sua família não a aceitava como gostaria de ser. E portanto, nunca poderia tolerar que uma inocente e indefesa rapariguinha se relacionasse com alguém de outra cor, muito menos numa relação séria! Discussões…Era somente o que se podia ver no lar da pequena Alice. E tudo porque ele era negro. Sim, só por isso. Já era insuportável viver naquelas condições. E, como forma de protesto em seu pensamento, só havia uma forma de se manifestar…
Era segunda de manhã e não havia sinais de Alice. Os pais desta vez, ao invés de discutirem, uniram-se, pois perceberam que juntos tudo se tornava mais fácil. Apesar de tudo, desta vez nem a união os salvava. A sua filha já não estava naquela casa. Nem ela, nem as suas roupas, nem os seus peluches, nem a sua escova cor-de-rosa com que todas as noites penteava os seus cabelos compridos e dourados. Apenas deixou algo como sinal de despedida e contestação em cima da sua cómoda: a Barbie e o Ken. Mas desta vez, algo os diferenciava daquele habitual casal com que brincava - estavam pintados de preto. Preto como o céu sem lua, negros como um túnel escuro. A tinta negra das suas aguarelas com que fazia os seus bonequinhos infantis era evidente por todo o seu quarto. Paredes, móveis…Mas o negro era predominante naqueles corpos de plástico que imitariam pele. Pele branca, pele comum…Para Alice, pele de pecado, pele de crueldade, pele de impiedade e blasfémia.
Obrigada minha adorável Inês :)
Ana Rosa*

1 de março de 2010

Definições.

Após o tempo, todos eles se dissipam.
Uns decidem desempenhar novos papéis na sociedade,
Outros simplesmente não procuram inovação…
Destroem-se laços,
alternam-se papéis
E vai-se recorrendo àquelas conversas hipócritas,
risos cínicos,
sorrisos falsos,
atitudes deploráveis…
Atitudes desesperadas da necessidade de atenção,
de manter grandes amizades…
Até as esquecer.
Na verdade, o nosso mal é sermos amados por quem não merecemos…
Ou talvez amarmos quem não merece!

Ao olhar minuciosamente para o que ficou,
apercebo-me que só me resto a mim própria e pouco mais.
Mas de nada serve, afinal de contas,
queremos tanto ser cobaias uns dos outros
para falar da nossa vida e experiências.
Usem-se,
mas deixem-me usar-me à minha maneira!

Já pensei em tornar-me outra pessoa,
como muitos fazem.
Ser eu é demasiado.
Assim poderia viver pelo menos, com uma felicidade aparente.
Podia sobreviver nos meus sorrisos obrigacionais até,
de certa forma, conformar-me de que era feliz,
apesar de ser uma ilusão.
Mas, foi involuntária a decisão de me manter fiel a mim mesma.
E claro que isso tem as suas consequências
Mas que posso eu fazer?
Pelo menos, sinto-me bem e admito a realidade.
E depois, como poderia ser fiel aos outros, sem o ser a mim própria?

Agora, agora vejo-me rodeada de uma minoria contada com os dedos da minha mão.
E ainda bem.
É bom saber que cada um desses dedinhos representa algo a sério
Algo que está sempre presente para quanto precisar.
È bom olhar para trás ou até mesmo ver o futuro,
e saber como sou.
No meio de tantas mentiras,
é bom saber que a minha essência se mantém sem que aí precise de ser uma impostora, tal como todos os outros.
Custa, mas ainda sou eu,
Eu ainda sou eu.
Ana Rosa*